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Assunto D. João Príncipe Regente

D. João nasceu em 13 de maio de 1767, durante o reinado de seu avô, D. José I de Portugal. Foi o segundo dos filhos de D. Maria I de Portugal e D. Pedro, que era também seu tio. Tinha dez anos quando o avô morreu e sua mãe ascendeu ao trono como Maria I de Portugal. Sua infância e juventude foram vividas discretamente, já que era apenas um infante de Portugal, ficando à sombra de seu irmão, D. José, o primogênito e herdeiro do trono. Formou-se um folclore a respeito de uma suposta falta de cultura no príncipe; entretanto, de acordo com Pedreira e Costa, há indícios de que tenha recebido uma educação tão rigorosa quanto a que seu irmão, na condição de herdeiro, recebeu. Por outro lado, um relato do embaixador francês não o pintou em cores favoráveis, descrevendo-o como hesitante e apagado. De qualquer forma, há pouca informação a respeito desta fase de sua vida.

Segundo a tradição, teve como professores de letras e ciências o frei Manuel do Cenáculo, Antônio Domingues do Paço e Miguel Franzini, como mestre de música, o organista João Cordeiro da Silva e o compositor João Sousa de Carvalho, e como instrutor de equitação, o sargento-mor Carlos Antônio Ferreira Monte. De seu aproveitamento, pouco se sabe. Também seguramente teve instrução em religião, legislação, língua francesa e etiqueta, e a história deve ter sido aprendida através da leitura de obras de Duarte Nunes de Leão e João de Barros.

Casamento e crise sucessória

Dona Carlota Joaquina em 1785, pintura de Mariano Salvador Maella
Em 1785 seu casamento foi arranjado com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do futuro rei Carlos IV de Espanha (na época, ainda era o herdeiro do trono) e de Dona Maria Luísa de Parma. Por razões políticas, temendo uma nova União Ibérica, parte da corte portuguesa não via o casamento com uma princesa espanhola com bons olhos. Apesar de sua pouca idade, Carlota era considerada uma menina muito vivaz e de educação refinada. Não obstante, teve de suportar quatro dias de testes diante dos embaixadores portugueses antes que o casamento se confirmasse. Também, sendo parentes, e pela pouca idade da infanta, os noivos precisaram de uma dispensa papal para poderem se unir. Após a confirmação, a outorga das capitulações matrimoniais foi assinada na sala do trono da corte espanhola, cercada de grande pompa e com a participação dos grandes de ambos os reinos, seguindo-se imediatamente o esponsal, realizado por procuração. D. João foi representando pelo próprio pai da noiva. À noite foi oferecido um banquete para mais de dois mil convidados.

A infanta foi recebida no Paço de Vila Viçosa no início de maio e em 9 de junho o casal recebeu as bênçãos nupciais na capela do Paço. Seu casamento ocorreu ao mesmo tempo que o de sua irmã, Dona Mariana Vitória, destinada ao infante D. Gabriel, também da casa real espanhola. A assídua correspondência de D. João com Dona Mariana na época revela que a falta da irmã lhe pesava, e, comparando-a com sua jovem esposa, dizia: “Ela é muito esperta e tem muito juízo, só o que tem é ser ainda muito pequena e eu gosto muito dela, mas por isso não te deixo de ter amor igual”. Por outro lado, o temperamento da menina era pouco dado à docilidade, exigindo por vezes a intervenção da própria rainha Dona Maria. Além disso, ele com dezoito anos e ela com apenas dez, a diferença de idade entre ambos o incomodava e o punha em ansiedade. Pela excessiva juventude da esposa, o casamento ainda não se consumara, e dizia: “Cá há de chegar o tempo em que eu hei de brincar muito com a infanta. Se for por este andar julgo que nem daqui a seis anos. Bem pouco mais crescida está de que quando veio”. De fato, a consumação teve de esperar até o dia 5 de abril de 1790. Em 1793 nascia Dona Maria Teresa, a primeira dos nove filhos que teriam.

Entrementes, sua vida relativamente pacata sofreu uma reviravolta em 11 de setembro de 1788, quando seu irmão mais velho, D. José, morreu. Assim D. João passava a ser o herdeiro da Coroa. Em D. José o povo depositava grandes esperanças e era tido como um príncipe alinhado aos ideais progressistas do iluminismo, mas era criticado pelos religiosos, já que parecia inclinar-se para a orientação política anticlerical do marquês de Pombal. Em contrapartida, a imagem de D. João enquanto seu irmão viveu era oposta. Sua religiosidade era notória e teria se mostrado favorável à prática do regime absolutista. A crise sucessória se agravou quando, no ano seguinte, D. João ficou gravemente enfermo, e temeu-se pela sua vida. Recuperado, em 1791 caiu doente outra vez, “deitando sangue pela boca e pelos intestinos”, conforme anotações deixadas pelo capelão do marquês de Marialva, acrescentando que seu ânimo estava sempre abatido. Formara-se desta forma um clima de tensão e incertezas sobre o seu futuro reinado.

Regência

Domingos Sequeira: Dom João, Príncipe Regente, passando revista às tropas na Azambuja, 1803
Além disso, a rainha dava crescentes sinais de desequilíbrio mental. Em 10 de fevereiro de 1792, em documento assinado por dezessete médicos, ela foi declarada incapaz de gerir o reino, não havendo previsão de melhora em seu quadro. D. João se mostrou relutante em assumir decididamente as rédeas do poder, rejeitando a ideia de uma regência formalizada, abrindo assim caminho para elementos da nobreza formarem uma corrente que pretendia governar de facto o reino através de um Conselho. Circularam rumores de que D. João exibia sintomas da mesma insanidade, especulando-se se ele também se veria impedido de reinar. De acordo com antigas leis que norteavam a instituição regencial, caso o regente viesse a falecer ou ser impedido por qualquer motivo, e tendo filhos menores de quatorze anos — situação em que se encontraria D. João — o governo seria exercido pelos tutores dos infantes ou, se estes não houvessem sido nomeados formalmente, pela esposa do regente — uma espanhola. Complicava-se, entre temores, suspeitas e intrigas, todo o quadro institucional da nação.

Ao mesmo tempo, sentiam-se os reflexos da Revolução Francesa, que causaram perplexidade e horror entre as casas reinantes europeias. A execução do rei francês Luís XVI em 21 de janeiro de 1793 pelas forças revolucionárias precipitou uma resposta internacional. Assim, em 15 de julho foi assinada uma convenção entre Espanha e Portugal, e em 26 de setembro Portugal aliou-se à Inglaterra, ambos os tratados visando auxílio mútuo para o combate aos franceses e levando os portugueses no ano seguinte às campanhas do Rossilhão e da Catalunha (1793-1795), em que o país participou com seis mil soldados, e que depois de um início bem-sucedido acabou em fracasso. Criou-se um delicado problema diplomático, em que Portugal não podia selar a paz com a França sem ferir a aliança com a Inglaterra, que envolvia múltiplos interesses, passando assim a buscar uma neutralidade que se revelou frágil e tensa.

Depois da derrota, tendo a Espanha alienado Portugal da Paz de Basileia concertada com a França, e sendo a Inglaterra poderosa demais para ser atacada diretamente, o alvo da vingança francesa passou a ser Portugal. Assumindo o poder francês em 1799, no mesmo ano em que D. João foi instalado oficialmente como regente do reino (em 14 de julho), Napoleão Bonaparte coagiu a Espanha a impor um ultimato aos portugueses, que obrigava ao rompimento com a Inglaterra e a submissão do país aos interesses franceses. Diante da negativa de D. João, a neutralidade se tornou inviável. Em 1801 Espanha e França invadiram Portugal, episódio conhecido como a Guerra das Laranjas, onde perdeu-se a praça de Olivença. Todos os países envolvidos, com interesses conflitantes, faziam movimentos ambíguos e acordos secretos. A situação se tornara crítica para Portugal, que tentava se manter fora das convulsões. Mas, de todas, era a parte mais fraca, foi usado como um joguete pelas outras potências e acabaria por ser novamente invadido.

Enquanto isso, D. João teve de enfrentar o inimigo dentro de casa. Sua própria esposa, fiel aos interesses espanhóis, iniciou intrigas objetivando depor o marido e tomar o poder, tentativa que entretanto acabou abortada em 1805, com o resultado da conspiradora ser exilada da corte, passando a viver no Palácio de Queluz, enquanto o regente passou a residir no Palácio de Mafra. Além disso, o reino tinha uma longa história de aliança e mesmo dependência política da Inglaterra, e as duas nações mantinham importantes ligações econômicas, mas muitos não viam esses vínculos com bons olhos, acusando a Inglaterra de prejudicar a nação, temia-se sua tendência imperialista e uma sombra de desconfiança pairava sobre as suas verdadeiras intenções, especialmente em vista de recentes intervenções inglesas nas possessões lusas da Ilha da Madeira e da Índia. Por outro lado, nesta época a França se tornara um dos principais mercados para os produtos coloniais portugueses, atraindo a simpatia de boa parte da alta burguesia comercial lusitana. Uma campanha de panfletos pró-França fazia mais simpatizantes, o embaixador da França exercia forte pressão, e no próprio ministério, dividido entre anglófilos e francófilos, o partido francês aumentava sua influência.